Os Filhos são Só Todos… Diferentes!
“Pois olha, mas agora parece que a tendência se inverteu…”
Patrícia e João conversam na sala após deitarem os filhos (Vasco com 12 anos e José de 8)
João: “ Tu viste bem?! Agora está o Zé a acalmar e o Vasco parece transformado!”
Patrícia: “Oh, João não exageres! Agora transformado! O que queres dizer com isso?!”
João: “Achas razoável o que ele disse à professora?!”
Patrícia: “Mas olha que deve ter sido verdade… Ela deve-lhe ter mesmo acertado com um gafanhoto…”
João: “Oh Patrícia! Pareces enfeitiçada e não queres ver! No mínimo razou a falta de delicadeza, para não dizer uma grande falta de educação! A professora até lhe podia ter cuspido sem querer com três gafanhotos, mas isso não se diz! Até porque, como percebeste ele insistia em contradizer a professora, porque parece ter cada vez mais dificuldade em aceitar ser contrariado!”
Patrícia: “Pois… Sim…”
João: “Pois, sim, o quê?!”
Patrícia: “Agora também tem reagido mal quando perde no paddle… fica evervadíssimo… mal disposto… quase agressivo…”
João: “Olha, o que faltou foi não o termos repreendido mais!”
Patrícia: “Até parece que ele dava muitas razões para isso!”
João: “Sim, não dava… Mas quando dava parecia nunca ter grande importância… não sei bem explicar…”
Patrícia: “Sabes, sim. De facto, ele ía cumprindo sempre tudo com facilidade… nunca levantou muitas ondas, por isso as falhas íam passando entre os raios de sol!”
João: “Ao contrário do Zé, coitado, que foi sempre mestre em tirar-nos do sério…”
Patrícia: “E também parece sempre precisar mais de nós… O Vasco pareceu sempre tão independente!”
João: “Pois, olha, mas agora parece que a tendência se inverteu!”
Os filhos que mais precocemente no seu desenvolvimento nos revelam as suas fragilidades, são frequentemente mais exigentes, mais dependentes, com comportamentos mais espontâneos ou agidos. São geralmente crianças intensas do ponto de vista da relação, pela capacidade de despertarem em nós um olhar sobre elas mais constante, continuado e interveniente no dia a dia. Apelam mais à nossa ação, ao “andar de mão dada”, à imposição de limites ou espírito de iniciativa. Algumas, pela espontaneidade e intensidade com que vivem, precisam muitas vezes de ser paradas pelos adultos que deles se ocupam, no sentido de melhor refletirem sobre as suas ações, e corresponderem mais ao que delas se espera. Existem, portanto, mais oportunidades para o treino da frustração, à qual também se tornam mais resilientes. Os pais esperam destes filhos desafios mais ou menos constantes, acompanhados tantas vezes por sentimentos de exaustão que impelem a um esforço criativo. Até porque, como sabemos, na parentalidade não há livro de receitas! Há sim, uma necessidade permanente do aperfeiçoamento da arte!
Outros filhos porém, revelam de forma mais ou menos constante, ao longo do seu crescimento, uma boa capacidade de adaptação à vida, a tarefas do dia a dia, a rotinas e a relações sociais. São crianças acertivas, que cumprem com sucesso aquilo que delas se espera, correspondendo quase sempre às expectativas dos outros. Esta atitude de estar e fazer, vai determinando a forma positiva como são olhados pelos outros. Por um lado, pode corresponder a um reforço da sua auto estima, por outro, a um aumento do sentido de responsabilidade e/ou pressão.
Algum sucesso ao nível académico, tantas vezes presente nestas crianças, favorece ainda mais a ideia por quem os rodeia, de que percorrem um caminho mais autónomo, sem grandes dificuldades ou hesitações. Parece realmente não existir tantos motivos para grandes zangas ou repreensões, o que também reduz as oportunidades para o importante treino da frustração. Estes filhos que fazem um percurso com mais sucessos do que dificuldades, reforçam as competências parentais, como se refletissem o nosso bom desempenho enquanto pais e pessoas.
Sabemos, no entanto, que ao longo do desenvolvimento existem fases de mudança ou crise que se revelam mais exigentes para as crianças, traduzindo-se numa maior fragilidade ou vulnerabilidade para as mesmas. Aqui, precisam muitas vezes de regredir, adotando comportamentos que parecem corresponder a fases anteriores do desenvolvimento, ou reagir de forma mais exacerbada ao nível do comportamento, no sentido de testar os limites do próprio e dos outros. Todos estes movimentos, tão necessários e inevitáveis para se sentirem novamente mais seguros e adaptados, são acompanhados por sentimentos de falha ou desilusão por parte de quem cuida. No fundo, pode parecer de repente, que todos se tornam mais imperfeitos!
Para os filhos “mais perfeitos”, ou que parecem gozar de maior imunidade perante fases de mudança ou desafio, as alterações no seu comportamento são sentidas com maior impacto, tanto por eles, como pelos pais. Estas crianças têm uma consciência aumentada do significado dos comportamentos e uma experiência vivida de mais controle, que descontrole. De mais sucesso, que insucesso. De mais adaptação, que desadaptação. Pelo que, nos momentos de maior exigência ou fragilidade, podem não atingir o bom “desempenho habitual” e os sentimentos de frustração que emergem serem mais assustadores ou desorganizadores.
Também os pais, têm sentimentos de confusão, surpresa ou estupefação por esta alteração na forma de estar. Sentem que têm que impor mais limites, repreensões, estar mais presentes ou redobrar a atenção! Mas estas ações parecem soar tão estranhas e pouco familiares na relação com estes filhos! Estes revelam agora tanta dificuldade em aceitar ser repreendidos ou chamados à atenção, reagindo de forma exacerbada e sem capacidade para assumirem qualquer responsabilidade no “insucesso” de situações, nas quais se veem envolvidos.
Os pais poderão ter a tendência para ignorar as falhas ou os erros, porque não foi esse o padrão típico de relação que foram desenvolvendo. Foi existindo sempre alguma tolerância, até porque os maus comportamentos, eram sempre menos esperados! No entanto, tenhamos a certeza de que estes filhos nos estão a pedir que os guiemos mais, lhes peguemos mais pela mão e definamos novos limites, onde se sintam mais seguros. Ignorar este “pedido” criará, com o passar do tempo, alguma omnipotência e fragilidade na criança, não lhe permitindo reconhecer ou assumir as suas dificuldades, e consequentemente, as suas responsabilidades.
Este é um caminho conjunto, ao longo do qual todos somos desafiados a fazer diferente, onde felizmente vamos descobrindo, que os filhos afinal são só todos… Diferentes!